Jean de La Fontaine (1621-1695), poeta e fabulista
francês, publicou a sua grande obra, Fables, entre os anos 1668 e 1694, num total de
12 volumes. O tempo entre publicações ditou diferentes influências na obra de
La Fontaine. Como refere Laurence Stapleton, na obra Marianne Moore, The Poet’s Advance, os últimos livros
revelam uma novidade e um desenvolvimento da sua arte. Refira-se, a este
propósito, que La Fontaine conviveu com Molière e Racine, tendo também travado
conhecimento com Bergier, um viajante que
teria estado na Síria e no Egipto e vivera na Índia. Através dele conheceu o
trabalho do fabulista indiano Pilpay, que lhe serviu de inspiração para a
escrita de algumas das suas últimas fábulas.
Na época de La Fontaine, a fábula era uma forma de escrita
popular. O público de então estava familiarizado com as fábulas de Esopo e apto
a perceber a novidade de tratamento de temas familiares, bem como a ironia de
La Fontaine, que ultrapassava a moral do tempo de Esopo.
As criaturas das fábulas de La Fontaine não procuram
aprovar ou reprovar o mundo, mas apresentá-lo como ele é, utilizando os
animais como forma de representar as qualidades humanas. Uma típica fábula é
uma história que conta uma moral. Os animais comportam-se de uma forma que os leitores
sabem ser apenas humana. La Fontaine recorre frequentemente
às mesmas personagens para representar as mesmas virtudes e defeitos, tirando
partido do facto de o leitor já saber que um lobo é voraz, uma raposa, astuta e
um carneiro, inocente.
Nascida em 1887, Marianne Moore foi uma escritora e
editora modernista norte-americana, que se notabilizou como poeta. Também Moore
escreveu sobre animais. No entanto, ao contrário dos animais de La Fontaine,
que representam os seres humanos, os animais de M. M. comportam-se como animais.
Não visam satirizar o comportamento humano, embora o ser humano possa neles observar
formas de comportamento.
Moore iniciou a tradução das Fábulas em 1945, um trabalho
que duraria cerca de oito anos. Como refere no prefácio da obra, seguiu o
exemplo da tradução poética de Ezra Pound: «the practice of Ezra Pound has been
for me a governing principle». Deste modo, Moore procurou a ordem natural
das palavras, (sujeito, predicado, objecto), privilegiando a voz activa sempre
que possível, eliminando palavras mortas, e recriando a rima.
Ao analisar a tradução de Moore, devemos por isso ter
presente aquilo a que a autora se propôs, nomeadamente as especificidades
técnicas — além de procurar replicar a métrica do original, Moore tentou obter uma
rima equivalente.
Segue-se um excerto da tradução de Marianne Moore da
fábula «La souris metamorphosée en fille», com o título «The Mouse Metamorphosed
into a Maid», onde a rima foi assinalada a negrito. Apresentamos também uma
breve análise às estratégias de tradução adoptadas por Moore, definindo-as de
acordo com a classificação oferecida por Chesterman & Wagner.
Linhas 1-2. Mudança de ênfase e adição de informação. La Fontaine escreve «Je ne l’eusse
pas ramassée», ou seja, o sujeito poético, não apanhou ou auxiliou o rato que
caiu ao chão. M. M. introduz a noção de Hindu e clarifica o comportamento
contrastivo entre sujeito poético/ocidental e brâmane/oriental.
Linhas
3-4. «Mais un Bramin le fit» (um brâmane fê-lo, ou seja, apanha o rato do chão).
Unit shift: O verbo francês fazer é traduzido
por «straightened the fur which the beak had marred», uma frase que acrescenta
informação e antecipa uma informação que no original surge dois versos depois
«fort froissée».
Linha
7. Abstraction change : «cette sorte de prochain» passa a «mouse»
Linhas
6-7. Clause structure change, há uma inversão dos elementos da frase. No
original, a frase começa pelo complemento «De cette sorte de prochain». Por outro
lado, a frase passa de afirmativa a negativa.
Linha
7. Relação de sinonímia. «le peuple bramin» passa a «a brahmin»
Linha 8. Thematic focus change. No original, o brâmane
trata o rato como um irmão. Na tradução, o foco altera-se para o comportamento
hipotético — o brâmane mais depressa desprezaria um parente. A ideia de irmão
dá lugar a um hipónimo, parente.
Linha 9. «worm» surge como equivalente de «ciron», uma
espécie de ácaro presente no queijo. Talvez possa ser considerada uma
estratégia de cultural filtering.
Linha 14. Explicitness change. M. M. explicita uma ideia apenas
implícita no original e faz um juízo de valor. Veja-se «un corps qu’elle eût eu pour hôte au temps
jadis». São acrescentadas as
noções de «unfair» e de «true identity».
Linha 15. Reprodução de uma aliteração. No original «Le
sorcier en fit une fille», na tradução «girl and real».
Linha 19. Trope change. Adição de sinédoque. Referência a
Helen, que surge em representação da beleza grega «grecque beauté».
Linha 20. Literal translation. «Vous n’avez qu’à
choisir».
Linha 23. Reprodução de aliteração. «De l’honneur
d’être votre». «For the honor of marrying
you.»
Linha 25. Trope change. «Donner ma voix» é uma metáfora
para votar, que se perde com a escolha de «choose».
Linha 26. Inversão da ordem dos elementos da frase. «Soleil, s’écria le Bramin à genoux».
Linha 26. A noção de «heir» vem substituir a noção de
«gendre», havendo assim, mais do que uma relação de sinonímia, uma explicitação
de nova informação.
Linha 28. Abstraction change. «Ce nuage épais» dá lugar a
«a cloud», uma nuvem concreta passa a uma nuvem indiferenciada.
Linha 29. Scheme change. Repetição vem
substituir aliteração. «Est plus puissant que moi, puisqu’il cache…» — «than
I and I be…»
Linha 31. Transposition. A nuvem voadora/volante
(«nuage volant») dá lugar a «cloud, sailing on». Logo, o adjectivo «volant»
passa a nuvem que navega.
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