O poema “The Buffalo” foi
publicado em 1934, a década de mais vibrante fulgor poético de Marianne Moore,
que então realizou diversas experiências com a forma modernista da sequência
poética. Assim, “The Buffalo” surge na revista Poetry a par com “Nine Nectarines”, dentro da sequência com o
título algo eufónico “Imperious Ox, Imperial Dish”, que tematiza um jogo de
forças entre a soberania do visceral e primitivo e a imposição de uma tradição
cultural hierarquizada e discriminatória. O título “The Buffalo” é, desde logo,
carregado de associações, seja porque o relacionamos com outros poemas de Moore
glosando o colonialismo e a expansão territorial americana, seja por
pressentirmos que nesta poética um animal é sempre medido por “noções humanas”,
conforme se torna explícito na quarta estrofe: “some would say the
sparse-haired / buffalo has met / human notions best.” Os versos são a súmula
de uma comparação entre o búfalo e outras espécies bovinas (ou de mamíferos
possantes, como é o caso, na quinta estrofe, do elefante), em que este sai
favorecido devido às suas qualidades de liberdade free neck”) e genuinidade
(afim das classes pobres, ele é domado pelos jovens de penras nuas). Não podem
com o búfalo rivalizar os outros bois, que não só foram reduzidos em porte
devido à domesticação (caso das vacas leiteiras pardas-suíças ou da raça
Holstein, de vacas malhadas holandesas) como de alguma forma acabaram por
perder a dignidade selvagem quando se tornaram objecto de representação,
conforme se trasmite por exemplo com o advérbio disfórico na alusão ao desenho
de Thomas Rowlandson retratando um “boi de atropelo” (Overdrove Ox).
Porém, A comparação entre o búfalo e a espécie do bisonte confunde
de alguma forma as expectativas de leitura. Ao ler a primeira estrofe
podemos ser levados a tomar o bisonte como sinónimo do “búfalo” do título, o
que nos transporta quer para o território americano quer para as conotações que
a negritude assume numa terra que se supõe ser livre das hierarquias
aristocráticas – daí que se possa interpretar ironicamente a procura de
significado da representação quer do negro na heráldica, quer dos cornos pretos
do bisonte, juntamente com a alusão a vários graus mais ou menso indistintos de
negro (sendo que as palavras “black” e “niger”, mais conotativas do que
denotativas, colocam problemas à tradução). Na sexta estrofe, contudo, o búfalo
«de excepção» é claramente identificado com o “Indian Buffalo”, e a referência
à preferência do Buda por este animal leva-nos a transportá-lo de uma
associação com os nativos americanos (também chamados “Indians” à altura em que
Moore escrevia) para uma ligação aos habitantes da Índia, isto é, ao
búfalo-asiático. Na verdade, uma carta da autora revela que era este mesmo que
tinha em mente (water buffalo) e,
segundo a sua biógrafa e crítica Linda Leavell, o poema terá sido igualmente
informado pelos projetos de eugenia nazi e pelo conhecimento de que haveria a
aspiração de tornar a reproduzir artificialmente os extintos auroques (Leavell,
286-7)
O poema “The
Buffalo”, pois, não só questiona a atribuição de significado às cores de certas
raças (invertendo inclusive as normais assunções, «white / Christian heathen»)
como, na interpretação de Leavell, propõe uma reflexão sobre a evolução natural
das espécies por contraste com os cruzamentos para apuração de animais
domésticos ou com a aniquilação conertada de certas raças. Segundo esta
leitura, a estrofe final do poema, embora reafirme a dignidade natural do
búfalo-asiático terá um fundo irónico: «need not fear comparison / with bison».
Repare-se que esta análise levanta vários problemas para a
tradução, desde o nível do léxico especializado da espécie biológica em causa
(dificuldade generalizada no tocante à obra de Moore), passando pela indentificação
das fontes de écfrase, até à resolução da ambiguidade de uma palavra como
Indian (que talvez melhor se resolva por um sinónimo arcaico mais genérico:
Búfalo das Índias). A estes acresce a dificuldade de lidar com a prosódia de
Marianne Moore – ou «cadência», conforme a própria refere num poema de
homenagem a Pound, e que é um nome adequado já que a marca distintiva da
estrofe modernista da poeta passa por libertar as rimas de uma posição
constante na estrofe, e pela opção de associações consonânticas e assonânticas
que parecem cascatear pelo poema, tal como o desenho dos versos. Assim, por
exemplo, em
(…) Might
hematite-
black, compactly incurved horns on bison,
have significance? The
soot brown tail-tuft on
a kind of lion-
tail (…)
temos uma assonância próxima
(might / hematite), uma rima masculina, embora espaçada, em “bison” e “lion”, e
uma rima interna imperfeita entre “incurved” e “tuft”. Se o reconhecimento
destes ecos não padrozinados já será difícil, ainda mais o é a sua reprodução,
que só pode ser tentada por efeitos compensatórios (abertura de vogais
semelhantes em palavras diferentes, por exemplo). A cadência de Moore é ainda
replicada entre estrofes pelo efeito de suspensão que alcança ao dividir
palavras compostas (lion-//tail) e que parecem intrínsecos ao propósito de
chamar a atenção tanto para o objecto como para a sua descrição verbal, mas que
dificilmente se podem manter numa língua como o português em que a formação por
composição não é tão produtiva e obedece a regras diferentes.
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