quarta-feira, 29 de março de 2017

Li Bai, um poeta chinês do século VIII, foi considerado o maior poeta romântico da dinastia Tang. Esta dinastia fora uma dinastia de prosperidade, que moldara a mente aberta deste poeta, bem como o seu estilo de escrita elegante.
No século VIII, os poetas chineses descreviam frequentemente cenários para representar e expressar emoções e sentimentos. Existe ainda um provérbio chinês baseado nesta estratégia tradicional: “Qualquer cenário pode ser traduzido em sensação”. Por exemplo, na Primavera, as margens do Rio Amarelo – no texto traduzido como River Kiang – ficam repletas de fores. A beleza da natureza ajudou Li Bai a expressar a sua tristeza.
Ezra Pound, tradutor dos poemas de Li Bai, foi poeta, músico e crítico. Grande adepto do imagismo, inspirou-se nas imagens e metáforas do Oriente. Existem três tipos de poesia defendidos por Pound: a fanopeia (imagens),a melopeia (musicalidade) e a logopeia (jogo de palavras). Em 1915, Pound publicou Cathay, uma compilação de traduções de poemas chineses, muitos destes do século VIII, baseando-se nas notas de Fenollas. No contexto da Primeira Guerra Mundial, Pound utilizou alguns poemas para fazer ouvir a voz dos que ficaram para trás, como por exemplo o poema “The River-Merchant’s Wife: A Letter”, em que o marido do sujeito poético está ausente durante um longo período de tempo. De acordo com ABC of Reading, escrito por Pound, os ideogramas representam “pictures of things”, que pode explicar a frequência do uso de fanopoeias nas traduções. Muitas vezes os caracteres representam uma palavra e Pound vai para além do significado descrito no dicionário. Cabe a Pound contar/descrever uma história, muitas vezes com filtragens culturais para a necessidade de compreensão e a presença de exotismos.
Em ambos os poemas “The River-Merchant’s Wife: A Letter” e “Separation On the River Kiang”, temos a descrição de imagens que ajudam o leitor a compreender os sentimentos implícitos nos poemas. Ambos expressam saudade e tristeza.
Em “The River-Merchant’s Wife: A Letter”, temos a história de uma jovem esposa e do seu marido que está ausente. Podemos sentir o culminar desta saudade nos versos 28 e 29: “And I will come out to meet you/ As far as Cho-fu-Sa.”, pois o sujeito poético encontra-se disposto a percorrer longas distâncias para matar esta saudade.
Em “Separation On the River Kiang”, temos o sujeito poético que observa a partida de Ko-jin pelo rio fora. “The long Kiang” é o maior rio da China, e este adjectivo “long” pode destinar-se também à longa ausência de Ko-jin na vida do sujeito poético: “And now I see only the river,”.


Chenxi Xia
Filipa Martins
Stephanie Sousa

terça-feira, 28 de março de 2017

Sugestão de tradução e reflexão para 6 de Abril

Traduzir um de dois poemas de Gary Snyder: "Cross-Legg'd" ou "Sourdough Mountain Lookout".

Colocar tradução no blogue e, caso haja tempo, comentar em relação à cedência a tendências deformantes segundo Antoine Berman.


Fernando Pessoa on the Translation of Poe's poems

A poem is an intellectualised impression, or an idea made emotion, communicated to others by means of a rhythm. This rhythm is double in one, like the concave and convex aspects of the same arc: it is made up of a verbal or musical rhythm and of a visual or image rhythm, which concurs inwardly with it. The translation of a poem should therefore conform absolutely to the idea or emotion which constitutes the poem, to the verbal rhythm in which that idea or emotion is expressed; it should conform relatively to the inner or visual rhythm, keeping to the images themselves when it can, but keeping always to the type of image.
It was on this criterion that I based my translations into Portuguese of Poe’s “Annabel Lee” and “Ulalume”, which I translated, not because of their great intrinsic worth, but because they were a standing challenge to translators.
1923?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
 - 74.
(1st draft of the translation of "Ulalume", c. 1911)

segunda-feira, 27 de março de 2017

Modelo de análise de texto para tradução

O poema “The Buffalo” foi publicado em 1934, a década de mais vibrante fulgor poético de Marianne Moore, que então realizou diversas experiências com a forma modernista da sequência poética. Assim, “The Buffalo” surge na revista Poetry a par com “Nine Nectarines”, dentro da sequência com o título algo eufónico “Imperious Ox, Imperial Dish”, que tematiza um jogo de forças entre a soberania do visceral e primitivo e a imposição de uma tradição cultural hierarquizada e discriminatória. O título “The Buffalo” é, desde logo, carregado de associações, seja porque o relacionamos com outros poemas de Moore glosando o colonialismo e a expansão territorial americana, seja por pressentirmos que nesta poética um animal é sempre medido por “noções humanas”, conforme se torna explícito na quarta estrofe: “some would say the sparse-haired / buffalo has met / human notions best.” Os versos são a súmula de uma comparação entre o búfalo e outras espécies bovinas (ou de mamíferos possantes, como é o caso, na quinta estrofe, do elefante), em que este sai favorecido devido às suas qualidades de liberdade free neck”) e genuinidade (afim das classes pobres, ele é domado pelos jovens de penras nuas). Não podem com o búfalo rivalizar os outros bois, que não só foram reduzidos em porte devido à domesticação (caso das vacas leiteiras pardas-suíças ou da raça Holstein, de vacas malhadas holandesas) como de alguma forma acabaram por perder a dignidade selvagem quando se tornaram objecto de representação, conforme se trasmite por exemplo com o advérbio disfórico na alusão ao desenho de Thomas Rowlandson retratando um “boi de atropelo” (Overdrove Ox).
            Porém, A comparação entre o búfalo e a espécie do bisonte confunde de alguma forma as expectativas de leitura. Ao ler a primeira estrofe podemos ser levados a tomar o bisonte como sinónimo do “búfalo” do título, o que nos transporta quer para o território americano quer para as conotações que a negritude assume numa terra que se supõe ser livre das hierarquias aristocráticas – daí que se possa interpretar ironicamente a procura de significado da representação quer do negro na heráldica, quer dos cornos pretos do bisonte, juntamente com a alusão a vários graus mais ou menso indistintos de negro (sendo que as palavras “black” e “niger”, mais conotativas do que denotativas, colocam problemas à tradução). Na sexta estrofe, contudo, o búfalo «de excepção» é claramente identificado com o “Indian Buffalo”, e a referência à preferência do Buda por este animal leva-nos a transportá-lo de uma associação com os nativos americanos (também chamados “Indians” à altura em que Moore escrevia) para uma ligação aos habitantes da Índia, isto é, ao búfalo-asiático. Na verdade, uma carta da autora revela que era este mesmo que tinha em mente (water buffalo) e, segundo a sua biógrafa e crítica Linda Leavell, o poema terá sido igualmente informado pelos projetos de eugenia nazi e pelo conhecimento de que haveria a aspiração de tornar a reproduzir artificialmente os extintos auroques (Leavell, 286-7)
            O poema “The Buffalo”, pois, não só questiona a atribuição de significado às cores de certas raças (invertendo inclusive as normais assunções, «white / Christian heathen») como, na interpretação de Leavell, propõe uma reflexão sobre a evolução natural das espécies por contraste com os cruzamentos para apuração de animais domésticos ou com a aniquilação conertada de certas raças. Segundo esta leitura, a estrofe final do poema, embora reafirme a dignidade natural do búfalo-asiático terá um fundo irónico: «need not fear comparison / with bison».
       Repare-se que esta análise levanta vários problemas para a tradução, desde o nível do léxico especializado da espécie biológica em causa (dificuldade generalizada no tocante à obra de Moore), passando pela indentificação das fontes de écfrase, até à resolução da ambiguidade de uma palavra como Indian (que talvez melhor se resolva por um sinónimo arcaico mais genérico: Búfalo das Índias). A estes acresce a dificuldade de lidar com a prosódia de Marianne Moore – ou «cadência», conforme a própria refere num poema de homenagem a Pound, e que é um nome adequado já que a marca distintiva da estrofe modernista da poeta passa por libertar as rimas de uma posição constante na estrofe, e pela opção de associações consonânticas e assonânticas que parecem cascatear pelo poema, tal como o desenho dos versos. Assim, por exemplo, em
                                    (…) Might
     hematite-
       black, compactly incurved horns on bison,
            have significance? The
soot brown tail-tuft on
       a kind of lion-

tail (…)


temos uma assonância próxima (might / hematite), uma rima masculina, embora espaçada, em “bison” e “lion”, e uma rima interna imperfeita entre “incurved” e “tuft”. Se o reconhecimento destes ecos não padrozinados já será difícil, ainda mais o é a sua reprodução, que só pode ser tentada por efeitos compensatórios (abertura de vogais semelhantes em palavras diferentes, por exemplo). A cadência de Moore é ainda replicada entre estrofes pelo efeito de suspensão que alcança ao dividir palavras compostas (lion-//tail) e que parecem intrínsecos ao propósito de chamar a atenção tanto para o objecto como para a sua descrição verbal, mas que dificilmente se podem manter numa língua como o português em que a formação por composição não é tão produtiva e obedece a regras diferentes.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Chesterman, Estratégias Léxico-Sintáticas



Homework (II) for March 30 - Ezra Pound

- Read Pound's essay "How to Read" (especially part II, p. 127-129) and answer and comment on the extent to which his theory of the "kinds of poetry" - melopoeia, phanopoeia, logopoeia - relates with translation.

- Select your favorite poem from Cathay (p. 110-122), explain why you prefer it, and then try to identify in it examples and processes ovf "melopoeia", "phanopoeia" and "logopoeia".

Homework for March 30 (I), text analysis for April 6

1. Comment on the blog: we shall discuss your comments / draft analysis on the 30th March

2. Write up your final text analysis by April 6 (no more than two pages, font size 12, 1,5 spaces)

3. Here is your text: the version of 1935 of the poem "Poetry" by Marianne Moore: https://studio.edx.org/asset-v1:HarvardX+AmPoX.6+2T2016+type@asset+block/Moore-Poetry.pdf

"O Búfalo", Marianne Moore (tradução de Margarida Vale de Gato)

O Búfalo
    
         O preto nos brazões significa
prudência, a negritude o aziago. Terá
a hematite-
     -preta dos chifres recurvos do bisonte
         algum significado? A
cauda em tufo de escura fuligem
     numa espécie de rabo

     leonino: que pode exprimir?
E o Ajax de John Stewart Curry a puxar
ervas – sem argola
     no focinho – os dois passarinhos no lombo?
        
         * * *
         A moderna
rês não condiz com o retrato da rês
de Augsburgo. Sim,
     a besta extinta, o bravo auroco, era grande
         de se pintar, com listras
e uma ampla armação de cornos – então rebaixado
            à forma siamesa

         de gato ou boi pardo-
suíço ou senão zebu, de fofa e alva papada e bossa de sangue
quente; ao boi
     Hereford encarnado ou ao Holstein variegado. Porém,
         segundo alguns o búfalo de pêlo ralo é
     o mais talhado
            para padrões humanos –

     ao contrário do elefante,
que é jóia e ourives das crinas
que enverga –
     não o boi de focinho branco de Vermont arcando
         com sua parelha a seiva de ácer,
ambos atolados na
            neve; sequer o aberrante

         Boi de Atropelo que desenhou
Rowlandson, mas o búfalo das Índias,
albino
     nas patas sobre um charco de lama com um
         dia de labuta à frente. Tão-pouco
     um branco ateu cristão tres-
            malhado pelo Buda

         se adapta tão bem como o
búfalo – mais endriabado quanto domar
o queiram – o livre cachaço
     esticado e a cauda de cobra num laço
         sobre o flanco; sem gana
alguma de ser manso
            com o sábio sentado com os pés

         do mesmo lado, a querer
desmontar no santuário; nem mesmo haverá
quaisquer presas
     de marfim como esses dois chifres que valentes
         se baixam quando tosse um tigre
     e transformam o pelo
            num inútil despojo.

         O búfalo das Índias,
levado pelos pastores pequenos de pernas nuas
ao curral de palha onde
     o guardam, não tem comparação a temer
         com o bisonte, com a parelha,
     nem com nenhum parente
            da genealogia do gado.




quarta-feira, 15 de março de 2017

"The Buffalo" - Marianne Moore

Contextualização

Marianne Moore foi uma poetiza modernista nascida no Missouri em 1887. Os seus estudos universitários foram em grande parte feitos nas áreas da Biologia e da Histologia. A poesia de Moore é maioritariamente descritiva e reflectiva, algo que se insere na corrente Modernista literária. “The Buffalo” pertence à colectânea “Selected Poems”, lançada com o encorajamento de figuras com oT.S.Eliot. O poema baseia-se na observação de objectos como pinturas, fotografias e outras formas de arte, que são de alguma forma traduzidas para linguagem literária. Este processo é conhecido como Écfrase e Moore utiliza-o para descrever minuciosamente na sua poesia os objectos que observa. 

O Poema

Black in blazonry means
prudence; and niger, unpropitious. Might
hematite
black, compactly incurved horns on bison
have significance? The
soot-brown tail-tuft on
a kind of lion-
tail; what would that express?
And John Steuart Curry's Ajax pulling
"Ajax" - John Steuart Curry
grass—no ring
in his nose—two birds standing on the back?
The modern
ox does not look like the Augsburg ox's
portrait. Yes,
the great extinct wild Aurochs was a beast
to paint, with stripe and six-
foot horn-spread—decreased
to Siamese-cat-
Brown Swiss size or zebu-
shape, with white plush dewlap and warm-blooded
hump; to red-
skinned Hereford or to piebald Holstein. Yet
some would say the sparse-haired
buffalo has met
human notions best—
unlike the elephant,
both jewel and jeweller in the hairs
that he wears
no white-nosed Vermont ox yoked with its twin
to haul the maple-sap,
"Over-Drove Ox" - Thomas Rowlandson
up to their knees in
snow; no freakishly
Over-Drove Ox drawn by
Rowlandson, but the Indian buffalo,
albino-
footed, standing in a mud-lake with a
day's work to do. No white
Christian heathen, way-
laid by the Buddha,
serves him so well as the
buffalo—as mettlesome as if check-
reined—free neck

stretching out, and snake tail in a half-twist
on the flank; nor will so
cheerfully assist
the Sage sitting with
feet at the same side, to
dismount at the shrine; nor are there any
ivory
tusks like those two horns which when a tiger
coughs, are lowered fiercely
and convert the fur
to harmless rubbish.
The Indian buffalo,
led by bare-leggèd herd-boys to a hay
hut where they
stable it, need not fear comparison
with bison, with the twins,
Indeed with any/
of ox ancestry.


Encontramos várias referências a obras observadas por Moore como a pintura "Ajax" the John Steuart Curry ou o "Over-Drove Ox" de Thomas Rowlandson. As imagens são o ponto de partida para as descrições dos vários espécimes de bois e búfalos. Enquanto que no início do poema as descrições incidem mais nos animais "europeus", o Indian Buffalo é de entre todos o menos domesticável e mais natural e pujante. Os vários espécimes descritos colocam vários entraves à tradução, pois é difícil precisar numa primeira leitura a qual espécime as descrições pertencem assim como as suas interpretações se tornam confusas. 

segunda-feira, 13 de março de 2017

Charles Baudelaire e William Carlos Williams: Uma Reflexão sobre Edgar Allan Poe


Edgar Allan Poe representa, tanto para Baudelaire, como para William Carlos Williams, uma nova literatura que nasce nos Estados Unidos oposta à cultura utilitária e industrialista que caracteriza o novo continente. Poe é um oxímoro, o aristocrata maldito, um espírito do velho continente que ousa romper as leis da literatura europeia, mas eternamente ostracizado e criticado pelo seus compatriotas como senhor de um génio macabro, louco e arrogante. No início de Eureka, porém, escreveu: "Ofereço este livro àqueles que puseram a sua fé nos sonhos como se da única realidade se tratassem". Para os norte-americanos do seu tempo, consumidos pela baba do patriotismo que inundava as suas críticas, Poe era dono de um estilo artificial e sem conteúdo que renunciava ao verdadeiro espírito da Poesia. Estas críticas ganharam voz através de Lowell:

Here comes Poe with his Raven, like Barnaby Rudge-
Three fifths of him genius, and two fifths sheer fudge;
Who talks like a book of iambs and pentameters
In a way to make all men of common sense damn meters
Who has written some things far the best of their kind;
But somehow the heart seems squeezed out by the mind.

A simples, mas destrctiva resposta de Poe a esta crítica de Lowell, cristaliza e justifica o seu estilo: "Observamos aqui que a ignorância profunda sobre qualquer assunto, manifesta-se sempre com alguma alusão ao "senso comum". Como refere William Carlos Williams, Poe poderia ter ido mais longe na sua defesa, acrescentando o que disse numa outra instância: "A mais alta ordem do intelecto imaginativo é sempre preeminentemente matemático".

Com isto não quer Poe dizer que renega a emoção em favor da razão, mas algo mais do que isso,mele molda a emoção através do seu génio minucioso. A necessidade de Poe de construir um novo começo, livre da influência da "imitação colonialista", era a força que se apoderava de toda a sua obra. A imaginação era para ele, retomando as palavras de Baudelaire, "a rainha de todas as faculdades; (...) A imaginação é uma faculdade quase divina que apreende de imediato e sem métodos filosóficos, as relações internas e secretas das relações entre coisas, as correspondências e as analogias".

William Carlos Williams tem uma ideia análoga à de Baudelaire, mas acrescenta uma dimensão temporal e espacial ao génio de Poe; recusando, tal como Baudelaire, a epígrafe do escritor louco com laivos de génio que os seus críticos teciam. Poe, contra a corrente moralista do seu tempo, prova, que a literatura não representa uma mera cortesia, mas antes, a verdade. Esta verdade, porém, só existe se quem a escrever for livre, se a sua vontade não se subjugar a ideias pré-concebidas do que deve ser a obra literária. A grande diferença entre os críticos que defamavam a sua obra e de quem a defende, é que os primeiros olhavam apenas a superfície (a métrica, o simbolismo rebuscado, as aliterações do dó, ré, mi) e os últimos reconheciam o indivíduo que se queria repensar a e recriar a literatura americana. Era necessário separar-se da "massa disforme" que o assombrava na literatura do seu tempo e cultivar, assim, um novo começo literário nos Estados Unidos. Nas palavras de William Carlos Williams, Poe podia absorver a cultura literária francesa, espanhola ou grega e não se sentir tentado a copiar; podia fazê-lo porque existia em si uma ideia de um espaço seu, capaz de ser cultivado. 




The Fables of La Fontaine, translated by Marianne Moore

Jean de La Fontaine (1621-1695), poeta e fabulista francês, publicou a sua grande obra, Fables, entre os anos 1668 e 1694, num total de 12 volumes. O tempo entre publicações ditou diferentes influências na obra de La Fontaine. Como refere Laurence Stapleton, na obra Marianne Moore, The Poet’s Advance, os últimos livros revelam uma novidade e um desenvolvimento da sua arte. Refira-se, a este propósito, que La Fontaine conviveu com Molière e Racine, tendo também travado conhecimento com  Bergier, um viajante que teria estado na Síria e no Egipto e vivera na Índia. Através dele conheceu o trabalho do fabulista indiano Pilpay, que lhe serviu de inspiração para a escrita de algumas das suas últimas fábulas.

Na época de La Fontaine, a fábula era uma forma de escrita popular. O público de então estava familiarizado com as fábulas de Esopo e apto a perceber a novidade de tratamento de temas familiares, bem como a ironia de La Fontaine, que ultrapassava a moral do tempo de Esopo.

As criaturas das fábulas de La Fontaine não procuram aprovar ou reprovar o mundo, mas  apresentá-lo como ele é, utilizando os animais como forma de representar as qualidades humanas. Uma típica fábula é uma história que conta uma moral. Os animais comportam-se de uma forma que os leitores sabem ser apenas humana. La Fontaine recorre frequentemente às mesmas personagens para representar as mesmas virtudes e defeitos, tirando partido do facto de o leitor já saber que um lobo é voraz, uma raposa, astuta e um carneiro, inocente.

Nascida em 1887, Marianne Moore foi uma escritora e editora modernista norte-americana, que se notabilizou como poeta. Também Moore escreveu sobre animais. No entanto, ao contrário dos animais de La Fontaine, que representam os seres humanos, os animais de M. M. comportam-se como animais. Não visam satirizar o comportamento humano, embora o ser humano possa neles observar formas de comportamento.

Moore iniciou a tradução das Fábulas em 1945, um trabalho que duraria cerca de oito anos. Como refere no prefácio da obra, seguiu o exemplo da tradução poética de Ezra Pound: «the practice of Ezra Pound has been for me a governing principle». Deste modo, Moore procurou  a ordem natural das palavras, (sujeito, predicado, objecto), privilegiando a voz activa sempre que possível, eliminando palavras mortas, e recriando a rima.

Ao analisar a tradução de Moore, devemos por isso ter presente aquilo a que a autora se propôs, nomeadamente as especificidades técnicas — além de procurar replicar a métrica do original, Moore tentou obter uma rima equivalente.


Segue-se um excerto da tradução de Marianne Moore da fábula «La souris metamorphosée en fille», com o título «The Mouse Metamorphosed into a Maid», onde a rima foi assinalada a negrito. Apresentamos também uma breve análise às estratégias de tradução adoptadas por Moore, definindo-as de acordo com a classificação oferecida por Chesterman & Wagner. 


Linhas 1-2. Mudança de ênfase e adição de informação. La Fontaine escreve «Je ne l’eusse pas ramassée», ou seja, o sujeito poético, não apanhou ou auxiliou o rato que caiu ao chão. M. M. introduz a noção de Hindu e clarifica o comportamento contrastivo entre sujeito poético/ocidental e brâmane/oriental.
Linhas 3-4. «Mais un Bramin le fit» (um brâmane fê-lo, ou seja, apanha o rato do chão). Unit shift: O verbo francês fazer é traduzido por «straightened the fur which the beak had marred», uma frase que acrescenta informação e antecipa uma informação que no original surge dois versos depois «fort froissée».
Linha 7. Abstraction change : «cette sorte de prochain» passa a «mouse»
Linhas 6-7. Clause structure change, há uma inversão dos elementos da frase. No original, a frase começa pelo complemento «De cette sorte de prochain». Por outro lado, a frase passa de afirmativa a negativa.
Linha 7. Relação de sinonímia. «le peuple bramin» passa a «a brahmin»
Linha 8. Thematic focus change. No original, o brâmane trata o rato como um irmão. Na tradução, o foco altera-se para o comportamento hipotético — o brâmane mais depressa desprezaria um parente. A ideia de irmão dá lugar a um hipónimo, parente.
Linha 9. «worm» surge como equivalente de «ciron», uma espécie de ácaro presente no queijo. Talvez possa ser considerada uma estratégia de cultural filtering.
Linha 14. Explicitness change. M. M. explicita uma ideia apenas implícita no original e faz um juízo de valor. Veja-se «un corps qu’elle eût eu pour hôte au temps jadis». São acrescentadas as noções de «unfair» e de «true identity».
Linha 15. Reprodução de uma aliteração. No original «Le sorcier en fit une fille», na tradução «girl and real».
Linha 19. Trope change. Adição de sinédoque. Referência a Helen, que surge em representação da beleza grega «grecque beauté».
Linha 20. Literal translation. «Vous n’avez qu’à choisir».
Linha 23. Reprodução de aliteração. «De l’honneur d’être votre». «For the honor of marrying you.»
Linha 25. Trope change. «Donner ma voix» é uma metáfora para votar, que se perde com a escolha de «choose».
Linha 26. Inversão da ordem dos elementos da frase. «Soleil, s’écria le Bramin à genoux».
Linha 26. A noção de «heir» vem substituir a noção de «gendre», havendo assim, mais do que uma relação de sinonímia, uma explicitação de nova informação.
Linha 28. Abstraction change. «Ce nuage épais» dá lugar a «a cloud», uma nuvem concreta passa a uma nuvem indiferenciada.
Linha 29. Scheme change. Repetição vem substituir aliteração. «Est plus puissant que moi, puisqu’il cache…» — «than I and I be…»
Linha 31. Transposition. A nuvem voadora/volante («nuage volant») dá lugar a «cloud, sailing on». Logo, o adjectivo «volant» passa a nuvem que navega. 

Como ler um poema

bons conselhos aqui: http://www.theatlantic.com/entertainment/archive/2014/11/how-to-read-poetry-a-step-by-step-guide/380657/

domingo, 12 de março de 2017

Normas de Tradução (Gideon Toury) e Tipologia de Problemas Tradutórios (do projeto PEnPAL)


- Norma inicial: adequação ou aceitabilidade


- Normas preliminares
- política de tradução (que textos se traduzem, para quê e para quem)
- tradução directa ou indirecta (uso de textos intermédios)


- Normas operatórias
-normas matriciais (distribuição do material textual, trad. parcial ou não, mudanças de segmentação)
- normas linguístico-textuais (selecção de material textual, compensações, como se processa a recodificação)