Em “Why waste our time on rewrites? – The trouble with
interpretation and the role of rewriting in an alternative paradigm”, André
Lefevere começa por falar de interpretação literária. Segundo ele, há quem defenda que não há interpretações literárias melhores ou mais
verdadeiras do que outras.
Nas
palavras de Lefevere, se uma interpretação não tiver de ser verdadeira,
acontecerá que o intérprete poderá escrever o que quiser sobre literatura –
tornando-se simplesmente num escritor e não num académico – e que não haverá
critérios para a avaliação de uma interpretação, fazendo com que esta não se
possa considerar ou incluir no trabalho académico. Desta
maneira, o autor critica o estudo da literatura que se centra na interpretação
literária, visto que considera errado que esta finja ser objectiva e científica
(isto é, que dê a ideia de que descreve ou interpreta obras literárias “vistas
de fora”) enquanto se mantém partidária e subjectiva (ou seja, tenta
influenciar o desenvolvimento de uma determinada literatura e encaminhá-la na
direcção que coincide com a poética e a ideologia da escola de interpretação do
momento).
Em vez de
uma abordagem em que o estudo da literatura se centra na interpretação
literária, Lefevere sugere uma abordagem que explique como a escrita e a
reescrita da literatura se submetem a certas condicionantes (ou seja, que
descreva como a literatura é um fenómeno social ao serviço de uma determinada
ideologia e de uma determinada poética) e como a interacção entre ambas é
responsável pela elevação ou rejeição de determinados autores e determinadas
obras.É neste
sentido que, em seguida, se fala do sistema literário, um conjunto de pessoas e
instituições que agem sobre a literatura (agentes) e um conjunto de factores
que influenciam o funcionamento ou a realidade da literatura (condicionantes).
Os sistemas
evoluem de acordo com o princípio da
polaridade, que defende que todos os sistemas irão, eventualmente, criar o
seu “contrasistema”. A evolução do sistema literário é um jogo complexo da
tendência contra um estado controlado, contra as duas tendências opostas acima
mencionadas e contra a maneira com a qual o mecenato lida com estas tendências.
A primeira
condicionante do sistema literário, a poética, age no interior deste, mas de
acordo com os parâmetros definidos pela segunda condicionante que se encontra
fora do sistema (ou seja, no seu ambiente). A primeira
condicionante é então formada pelos intérpretes, críticos, autores de recensão crítica, professores de literatura e
tradutores. Estes
poderão, por vezes, reprimir determinadas obras literárias por irem
evidentemente contra a ideia dominante do que a literatura deve ser ou deveria
poder ser (isto é, a poética) e/ou a ideia dominante do que a sociedade deve
ser ou deveria poder ser (isto é, a ideologia, a cosmovisão ou visão do mundo)
segundo uma certa sociedade, num certo período de tempo.
Também
sobre esta condicionante, Lefevere diz que ainda assim, estes “reescritores”
poderão, de modo mais frequente, adaptar obras literárias até que estas
correspondam à poética e à ideologia do seu tempo.
A poética é o código com que opera o
sistema literário, o que torna possível a comunicação entre o autor e o leitor.
Consiste em dois componentes:
·
Inventário de “instrumentos”
literários; Ex.: géneros, símbolos, situações, personagens, etc;
·
Conceito do que é ou deveria ser o
papel da literatura. Este conceito é bastante importante na escolha de temas,
que devem ser relevantes para a sociedade para serem reconhecidos.
A componente
funcional da poética está ligada intrinsecamente às influências ideológicas que
provêm do exterior da esfera da poética, estas geradas por forças ideológicas
no “ambiente” do sistema literário.
A
codificação da poética conduz também à canonização de obras de escritores que
entrem em conformidade com a poética codificada. As obras desses escritores são
então usadas como exemplo a seguir para futuros escritores e ocupam uma posição
central no ensino da literatura.
A reescrita
ocupa um papel fundamental na canonização destas obras literárias. No entanto,
um cânone apenas se torna reconhecido como tal através do ensino.
O segundo
fator de controlo, o que opera maioritariamente fora do sistema literário, são
os patronos ou, mais propriamente, os
mecenas, em grande parte responsáveis pela transmissão de ideologia. Os
mecenas e as instituições controladas pelos mesmos têm o poder de “censurar” ou
validar a escrita, a leitura e a reescrita da literatura. Os mecenas raramente
influenciam diretamente o sistema literário, recorrendo maioritariamente a
instituições. Este fator está intrinsecamente ligado à ideologia.
O mecenato consiste
em três componentes, que podem interagir entre si de forma variada. A primeira
componente é a ideológica, que age
como moderadora na escolha e no desenvolvimento da forma e do assunto. A
segunda é a económica, na qual os
mecenas devem certificar-se que o escritor/reescritor recebe o que é devido
pelo seu trabalho. A terceira e última componente é a do estatuto, que assinala a entrada numa elite ao ser aceite pelos
mecenas.
Toda a escrita
de literatura age sob as duas condicionantes acima mencionadas, o mecenato e a
poética, e às quais devemos juntar mais duas condicionantes.
·
Universo do discurso, ou seja a quantidade de coisas de que se pode falar num determinado espaço
social e num determinado período.
·
Língua natural; Ou seja, a língua
em si. A gramática, a forma e tudo o que diz respeito à língua em si.
No que diz
respeito à reescrita, uma quinta condicionante deve ser adicionada – o original. O original é onde a
ideologia, a poética, o universo do discurso e a língua se juntam. Todas as
reescritas de literatura, seja interpretação, crítica, historiografia, a junção
de antropologias ou a tradução, agem sob, pelo menos, uma condicionante acima
mencionada e implicam as restantes. Por isso, a reescrita, em todas as suas
formas, deve ser estudada como uma arma que na luta para a supremacia entre
várias ideologias e várias poéticas.
A tradução é a forma mais óbvia de
reescrita, pois opera sob as cinco condicionantes. Se uma tradução for aclamada
pelo público, é certo que mais cedo ou mais tarde estará presente numa
antologia e será a impressão que os não-falantes da língua do original terão da
obra.
A tradução opera, em primeiro lugar, sob
a condicionante do original. Em segundo lugar, a linguagem natural muda,
drasticamente. Em terceiro lugar, o universo do discurso impõe bastantes
problemas para conseguir obter a tão aclamada “tradução fiel”. As
características do universo do discurso condicionam aquilo a que se dá ênfase
ou subalternização em cada cultura. São as mais difíceis de traduzir.
Concluindo,
a tradução é o sinal visível da abertura do sistema literário, de um sistema
literário específico. A tradução abre as portas ao que pode ser chamado de
subversão e transformação, dependendo onde os guardiões da poética e da
ideologia dominante se encontram. Não é de estranhar que tenha havido e haja
todo o tipo de tentativas para regular a atividade de tradução.
Apesar de a
tradução ser bastante importante na transformação da literatura, não é a única
responsável pela mesma, sendo que conta com outras formas de reescrita. Assim,
a tradução não deverá ser estudada isoladamente, mas sim em conjunto com as
outras formas de reescrita.
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