quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Polylingualism as reality and translation as mimesis, Meir Sternberg

Se por um lado, a tradução dentro de uma obra literária desestabiliza a ortodoxia e cria confusão sobre generos literários, por outro lado constitui um conjunto de ficções de plurilinguismo (a que podemos chamar heterolinguismo, e a que Bakhtin chamou heteroglossia) ou representações artificiais da palavras dita pelos outros. Este fenómeno está desenvolvido na teoria avançada pelo autor Meir Sternberg (professor de Poética e Literatura Comparada na Universidade de Tel Aviv) num artigo com o título “Polylingualism as Reality and Translation as Mimesis.

Sternberg começa por localizar três possíveis estratégias textuais para evitar o problema de reproduzir discursos tendo em conta as variedades linguísticas:

Restrição referencial/ referential restriction: consiste em limitar o objeto da própria representação a realidades monolingues (num estatuto, numa comunidade, etc.), excluindo a priori qualquer formas de alteridade linguística.

Correspondência de modos de expressão linguística / vehicular matching: através desta estratégia, ao multilinguismo da realidade representada corresponde um texto multilíngue. É, segundo Sternberg o caso da obra My fair lady de George Bernard Shaw (1913) em que na realidade multilínguistica de Londres, onde se falava o inglês e outras variantes como o cockney, o autor decide manter as alteridades multilingues visíveis na oralidade. É contestável, porém, o grau em que esta representação do socioleto oral resulta porventura de uma reprodução selectiva (ver abaixo)

Ver Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=jhninL_G3Fg

Convenção da homogeneização/ homogenizing convention: substitui o dado extra textual de um mundo multilingue por uma representação monolingue. Um exemplo disto encontra-se na obra Alice in Wonderland de Lewis Carroll, em que Alice não se estranha a ouvir o Coelho Branco falar em inglês: Coelho Branco: “Oh dear! Oh dear! I shall be too late!”    

(http://www.adobe.com/be_en/active-use/pdf/Alice_in_Wonderland.pdf)

A representação da heteroglossia divide-se, por seu lado, em quatro modalidades que se caracterizam entre um mínimo e um máximo de realismo linguistico:

Reprodução seletiva/selective reproduction: uma especie de “citação intercalada no texto”, na qual o narrador/sujeito poético aparece como um filtro que seleciona os elementos de alteridade linguistica, reproduzindo-os à letra. Um exemplo disto encontra-se na última estrofe do poema de Golgona Anghel, «O mundo é estranho, Sandy!»:

Estou com esta doença agora, but it's ok.
I close my eyes and drift away;
I softly say a silent pray.
Não ligues nem comentes,
just press play;
«O mundo é estranho, Sandy! O nosso é parecido.»    

(Golgona Anghel, Vim porque me pagavam, Mariposa Azual, Lisboa, 2011)

Transposição verbal/verbal transposition: as convenções linguísticas chocam-se entre elas gerando efeitos idiossincráticos (fonéticos, ortográficos ou sintático-gramaticais) que reproduzem na língua ficcional a “estranheza” da língua imitada. Nos exemplos seguintes, Hemingway na sua obra For whom the bell tolls (1940) traduz frases espanholas, literal ou semiliteralmente, criando construções inteligíveis que lembram a dicção de um falante de espanhol com um domínio imperfeito do inglês, o que evoca uma fala forasteira:

Expressão espanhola: “¿Como te llamas?”
Tradução: “How are you called?”

Expressão espanhola: “Me cago en la leche”
Tradução: “I obscenity in the the milk”

Expressão espanhola: “¿Qué tal?”
Tradução: “Did you divert yourself last night?” 

(http://www.24grammata.com/wp-content/uploads/2013/06/Hemingwey-for-whom-the-bell-24grammata.compdf.pdf)

Reflexão conceptual/conceptual reflection: não se nota tanto a superficie heterolinguística, mas reproduzem-se o sistema de valores e a semântica subjacentes a língua imitada. Há uma reflexão subjacente à natureza de universos de discurso em diferentes línguas / culturas. É possível ver isto na primeira estrofe do poema de Golgona Anghel, «O mundo é estranho, Sandy!»:

O nosso é parecido com a palavra agora.
Das mãos nasce-nos uma espécie de nostalgia trémula
que na versão alemã traduziram por dipsomania.

(A nostalgia de que se fala está ligada a cultura portuguesa, e o texto reflete na maneira em que foi traduzido o seu sentido na língua alemã)

Atribuição esplícita/explicit attribution: manifesta-se através particularidades lexicais do tipo “disse em francês” ou “respondeu em perfeito inglês”.

Estas diferentes modalidades são organizadas num único continuum, entre um máximo de diversidade linguistica até um máximo de homogeneidade linguística, como é possível ver no esquema seguinte.

vehicular promiscuity
vehicular matching
selective reproduction
verbal transposition
conceptual reflection
explicit attribution
homogenizing convention

No sistema de representação do heterolingual e o heterodialectal há diferentes formas que limitam a representação da realidade na ficção, ou seja: limitação representacional, em que o plurilinguismo não é considerado uma dimensão distinta da realidade; limitações comunicativas, quando duas línguas rejeitam as próprias diferenças; restrição auto-imposta, impor uma linguagem adaptada como no caso da literatura infantil.



Afinal a heteroglossia, representada na introdução da tradução dentro duma obra literária, faz que nós incluamos esta categoria no mais amplo conjunto das técnicas de discurso (speech representation). O que acontece à tradução da representação da tradução, sobretudo quando a fonte de heteroglossia no texto original corresponde à língua da tradução?

Rebecca Handley e Barbara Di Rocco

Sem comentários:

Enviar um comentário